Já não era cedo. Nem era tão tarde assim. Me deitei na cama de bruços e apaguei. Eu, que geralmente durmo de lado, me demorei pra me incomodar naquela posição. Na janela já se via alguma luz e meu pescoço doía quando virei a cabeça.
Nesta virada, entreabri os olhos e vi, com tanta nitidez que senti o cheiro da madeira. Meu violino, ali do lado da mesa de cabeceira, encostado, a vinte centímetros do meu nariz.
Um susto.
Senti o calor da gata encostada na minha perna esquerda.
Suor.
Taquicardia.
Meus pensamentos viajaram entre camadas: Alguém tirou o violino da parede e encostou aqui, como eu não ouvi alguém entrando no quarto? Moro sozinha e tranquei a porta. Durmo pelada. Se alguém se desse ao trabalho de entrar em casa, os últimos que correriam riscos seriam os instrumentos musicais.
Respiro.
Mais calor.
Mais suor.
Mais taquicardia.
Mais respiro.
Medo?
Aquele objeto era tão real que me convidava a estender a mão e tocár-lo. Minhas mãos continuavam sob minhas coxas. Imóvel.
Na certeza que ninguém poderia ter entrado no meu quarto só pra me enlouquecer, lembrei de Amelie Poulain trocando as pantufas de seu vizinho. Lembrei de um ex-namorado que tinha paralisia do sono. Lembrei do sonho que sonhava antes de meu pescoço me acordar. Era uma sereia? Rosada num mar turquesa? Sereia ou mulher? Ela falava? Era um sonho bonito. Me sentia bem. Quis voltar pra ele, mas já não podia. O maldito do violino estava bem na minha cara.
Agora a cebola de pensamentos já tinha camadas mais finas. Mariana, para né. Você ta meio dormida, meio acordada. Teu violino tá la na parede da sala. Não viaja. Isso aí é o coitado do teu cérebro tentando interpretar uma imagem meio confundido com o sonho que sonhava. Fecha o olhinho e volta pra ele.
Fechei os olhos me sentindo meio idiota por me assustar com uma miragem noturna. Ainda não movia os braços.
Abri os olhos.
O violino não estava lá.
Obvio.
Ri de mim mesma. Me virei na cama. A gata se moveu também.
Pensei. Se eu fosse uma mulher de fé, essa história iria no mínimo virar um presságio. Já que não sou, ela pode virar a escrita do café da manhã de amanhã. Ótimo, não preciso pensar no que escrever quando acordar.
Se um espírito houvesse me visitado pra me dar um recado, teria saído de casa desapontadíssimo com a minha falta de consideração. Nem se quer cogitou minha existência? Ele diria. Pobre criatura. Dúvida só é sinônimo de descrença no dicionário.
Voltei a dormir.
Não voltei a sonhar com o rosa turquesa.
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